Prometi que te vou escrever todos os dias, mesmo que nunca te atrevas a ler-me. Talvez um dia edite um livro com todas as cartas que te escrevo. Provavelmente, como consequência desta indústria esmorecida e morosa, já te terei esquecido quando virem a luz do dia. Ou talvez não edite livro nenhum, para que jamais te esqueça, como se isso fosse possível. Desafias diariamente a minha compreensão e debates-te, par a par, com todas as lembranças insistentes que me tentam fazer agarrar ao dia de amanhã. Eu só preciso de alguém que me dê o mundo, ou pura e simplesmente de ti. O que como imaginas, na minha óptica toldada pelo manto dos afectos, é praticamente a mesma coisa. É complexo sentirmo-nos uma metástase de um cancro no organismo de alguém que para nós é como água. A falta de paralelismo entre as nossas formas de expressar o que sentimos ou mesmo do que se aflora em nós é por demais inconsequente. Eu sei que sou esquecido e despistado, mas não me lembro de ter escondido os atalhos que sempre me levaram até ti e de não os encontrar. Eu dou-te o espaço e o silêncio que me fazem definhar, em troca da certeza de que o que guardas de mim é o meu abraço e o meu sorriso, a minha preocupação e o meu conforto. O meu corpo costumava ser a tua paz e a minha loucura o teu equilíbrio. Lembraste de quando esbarrávamos na cozinha e não conseguíamos proceder sem que os nossos lábios se despedissem até ao segundo seguinte? Lembraste de como terminavas as minhas frases na quietude do teu olhar? Eu lembro-me todos os dias e todos os segundos e recuso-me a deixar-te como uma espinha presa na minha garganta proveniente do que foi o melhor bacalhau espiritual de todos os tempos. Porque nós sempre cozinhámos a vida com quatro mãos e sempre encontrámos nas nossas diferenças a compensação para as nossas lacunas, que ambos temos. Não pintes uma noite por cima do que é dia nem me deixes apodrecer no teu jardim como se algum dia desejasses que eu caia. Porque eu sei que não, sei que não...
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