Como calculais, não sou anarca e também creio nos limites plausíveis que devem encaixar no meu conceito de liberdade. Sou cidadão de um meio partilhado e consequentemente cresci ciente de chavões tão essenciais ao bom funcionamento do mesmo como a justiça e a equidade.
O maior medo que devemos ter é o de vivermos através do medo e com medo.
Não aprecio homens de farda. Não aprecio quem se impõe através de uma autoridade excessiva ou de uma força física superior, acreditando mesmo que tais factores são um claro sinal de insegurança, receio e pequenez interior.
Aquando me dirigia, luminoso e efervescente, para a minha corrida matinal, percebi que teria que me sentar para convosco partilhar estas palavras. As ideias são como centelhas que precisamos de eternizar no momento certo, não vão elas ficar perdidas por entre os desígnios do nosso pensamento.
Pouco passava das dez quando o meu passo cruzou um Rossio barulhento e alarmado por todo um deprimente espectáculo de humilhação e crucificação pública, levando os populares a deixarem-se consumir pela sua habitual passivadade, contemplando uma tremenda incredulidade no olhar, provando que as opiniões se dividem e que muitos da minha revolta partilharam na firmeza da sua inércia.
Um carro das forças policiais interrompia o trânsito e do mesmo emergiam cerca de oito homens fardados, possantes e de gesticular bárbaro e vozes altercadas.
O objecto de captura era uma adolescente de etnia cigana da qual o olhar não prescindia de vazar vergonha e desalento. Os modos eram grosseiros e os homens para ela avançaram de forma feroz e selvática como se de um grupo de jovens grunhos que se divertem a acicatar um animal indefeso se tratassem.
Não sei ao certo o que a pode ter levado a esta situação, mas também já me senti encurralado e sem saída nos becos a que a vida tantas vezes nos confina. Nada desculpa o crime e nada desculpa a ultrapassagem de limites que tantas vezes os representantes da lei levam a cabo para que estes se evitem.
O meu incomodo, como cidadão humanista que sou, vai para o glorioso espectáculo montado por este grupo de símios que através de uma metodologia barbara nos fazem questão de esfregar na cara que também sabem e podem agir sem qualquer moralidade na sua lei, tratando-nos como seres indignos à qual a voz nunca deveria ter sido atribuída.
Não creio que sejam necessários oito espécimes do sexo masculino e fisionomia agigantada para imobilizar ou levar para interrogatório uma miúda na casa dos dezoito anos. Que não nos focássemos na quantidade...muito menos seria necessária toda a coreografia que foi materializada para que a lei se cumprisse.
Não acredito em Deus. Deus é uma materialização do que o Homem deve ser e do que é correcto. Portanto é nessa sequência, poderão as leis do homem invalidar as que considero ser as leis de Deus?
Perdoar, compreender, ensinar, respeitar...amar?
Não vi resistência, vi freio e humilhação. Vi desigualdade e espalhafato. Vi falta de educação e escassez de humanidade.
É complexo perceber a quem podemos atribuir a função de implementar e regulamentar a justiça. Somos todos homens que padecem da mesma fraca condição humana, consequentemente falível e questionável pelo mesmo motivo.
Tenho para mim que estes senhores devem ser dotados de membros genitais diminutos e que provavelmente foram sovados por diversas vezes por progenitores frustrados que assim deram seguimento ao erro implementado no seu código genético pelos desaires da vida.
Quase como o segurança de discoteca que tem para si que o manter a ordem depende de um semblante carregado e intimidante e de uma compleição física superior à dos que visitam o espaço que está encarregue de proteger.
A meu ver, a função dos representantes da ordem é a de preservar o bom ambiente e a de, com uma diplomacia atípica, impor a regra sem que os demais transeuntes se apercebam de qualquer rixa ou perturbação.
Foi só lamentável e entristecedor. Porque não se trata assim uma senhora em lado nenhum. Muito menos uma menina.
Não se lida desta forma com o ser humano, muito menos se pode ter a presunção de acharmos podê-lo fazer.
Não sei qual foi o delito, mas guardo o que vi. E há tanto castigo por aplicar. A educação e a ignorância não escolhem lugar. A bondade e a competência também não.
Mas lá no fundo, apeteceu-me ser rebelde, apeteceu-me escrever cartas às entidades reguladoras, apeteceu-me filmar um vídeo que se pudesse tornar viral. Apeteceu-me endereçá-los para o caralho.
Esse mesmo.
E que por lá bebessem um chá, comessem uma sopa da avó e talvez recebessem um abraço bem dado.
Não gosto de ter medo. Não gosto que se agigantem através do medo.
Que é tão diferente do respeito. E eu tenho pouco pelas nossas autoridades.
Lamentavelmente.
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