Não é coisa de maluquinho




Acordar. Acordar sem ar. Formigueiro nos dedos dos pés. Buscar forças a outro universo para sair da cama. Rotinas matinais. Cá dentro estou bem, mesmo com as minhas palpitações. Sair de casa. Porra, lá fora está o perigo. “Idiota, o perigo és tu mesma”. Ter mesmo de sair de casa. Já de phones. Evitar pessoas pelo caminho. Evitar pessoas extremamente irritantes com malas de rodinhas a pastar no passeio. Raios, já tudo me irrita. Aumentar o volume da música para não ouvir o barulho enervante dos semáforos. Entrar no metro. Aumentar o volume mais um bocadinho para não ouvir o barulho das portas que se mete pelos ouvidos adentro e me provoca sensações homicidas. Ficar no canto e tentar não panicar. As pessoas olham-me. Porque é que me estão a olhar? Estou a hiperventilar e não percebi? Oh não, controla-te por favor, acabaste de sair de casa, não comeces já. Música, música. Aquela dor no peito outra vez. Saio do metro. Não me sinto com a mínima força para caminhar até ao trabalho. Doem-me as pernas. Estou cansada. Tem de ser. Se chego tarde despedem-me. Se me despedem fico sem dinheiro para comer. Vou morrer à fome e também não terei dinheiro para alimentar os meus animais. Corre. 

O dia vai correr mal, tenho a certeza que vai correr mal. Tenho sono, não dormi nada de noite. O meu corpo mantém-se trancado, alerta, tenso, preparado para fugir porque alguma coisa de mal vai acontecer. Tenho a certeza. No final do dia doem-me ainda mais os músculos. Isto tem de parar. Onde é que eu vim parar? Que pessoa sou eu? Em que momento da minha vida é que virei o boneco e me transformei nisto?

A vida no corpo de alguém que vive com ansiedade. Se alguém nota? Não. E não é coisa de maluquinho.”


Marta Pessoa Amorim


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