Se faz favor?



Um croquete e um café se faz favor!

 

Hoje de manhã consegui experienciar um sabor adormecido e trincar uma infância que há tanto não se sentia viva. Troquei a amiga padaria portuguesa que me faz as delícias matinais ao acariciar-me o estômago com um bom dia com vitamina C por um pequeno-almoço diferente. Entrei num café da baixa na Rua da Conceição. Um típico café lisboeta. Empregados de camisa branca e calça preta. Pano na mão a limpar sempre por impulso um balcão que nunca esteve sujo. Ouvia-se a máquina de café a trabalhar sem qualquer intermitência. A minha barriga tocava literalmente num vidro onde se viam carreirinhos de pastéis de nata, rissóis, folhados, croquetes e empadas.

-Bom dia menina, o habitual? – Perguntava-me o senhor com uma genica matinal que já tocava quase no meio-dia.

Hoje vou querer também um croquete e um compal se faz favor- Decidi mudar o pão integral e o queijo deslavado e tudo o que “faz bem ao corpo.

-Pode-se sentar que não paga mais por isso, assim ficamais à vontade – Dizia ele com um sorriso espevitado que lhe atravessava o balcão e se destacava da sic noticias.

Pois claro que não pago, e sentei-me. Senti que estava a preparar-me para uma hipnose que estava quase a estalar. E foi o que aconteceu. O barulho da tampinha do compal,misturar o sabor do café com um croquete foi uma viagem ao passado. Fez-me lembrar quando era pequena e ia ao café com os meus pais antes de ir para a escola. A minha mãe pedia sempre pastel de nata e o meu pai um croquete.Isto quando havia tempo… Lembro-me da confusão que sentia, comer um croquete de manhã, para mim era descabido, mas deixou de ser. Só me faltou pedir uma pastilha gorila de banana para completar o quadro. A diferença era que não ia para a escola, não ia comprar nem gomas nem peta zetas às escondidas. Não estava de sapatinhos e de meias até aos joelhos, tinha o cabelo à cogumelo como me diziam na escola, e, não tinha uma mochila pesada nos ombros. Também não estava acompanhada, nem pela mãe nem pelo pai, e não recebi um beijo de até já e porta-te bem. Ia trabalhar, o cabelo cresceu, estava a usar saltos altos, tinha uma mala no ombro e, não havia gomas. Não queria abandonar aquelas memórias que me banhavam a alma. A minha vida ficou em bicos de pés a espreitar para um passado que já teve,colocou as mãos escorregadias no muro etéreo e empoleirou-se com o pescoço esticado para saborear aquele momento. Foi um mimo que lhe dei, para ela perceber o que já vivemos juntas. Às vezes fazemos as pazes e eu presenteio-a. Somos um rio que está ao mesmo tempo na nascente e na foz e às vezes, eu troco-lhes as correntes para ela perceber que não manda em tudo. Quando saí do café, com pena deste sentimento que parecia uma criança abandonada num parque infantil de sentimentos sem uma mão para empurrar o baloiço fui aoPapabubble para matar a sede de infância. Comprei um saco de rebuçados.

A mudança aparece sem aviso, mas, as recordações são eternas e existem para nos lembrar que ainda não morremos, que ainda não somos um retrato na mesinha de cabeceira, e que, Lavoisier tem razão. Na nossa natureza nada se perde tudo se transforma. Mudamos a forma mas mantemos a matéria, e a idade… a idade escorrega na forma e perde-se na matéria!

 

Regina Azevedo Pinto 


1 comments :

  1. Lavoisier sempre terá razão! Este texto é uma delícia para os sentidos e com todo o sentido.

    ResponderEliminar